“Doação de órgãos em paragem circulatória controlada” foi o tema do debate realizado no dia 2 de maio (quinta-feira), pelas 21h00, na Ordem dos Médicos, em Coimbra.
Após a intervenção inicial do presidente da SRCOM, anfitrião deste evento, a sessão prosseguiu com a moderação de Alexandra Dinis (Vice-coordenadora do Gabinete de Ética e Deontologia da SRCOM) e Ana Marques (Colégio da Especialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos).
Aliás, a médica intensivista Ana Marques deu logo conta de que este tema é muito importante, pois não existe legislação favorável este tipo de doação, apesar de Portugal se posicionar como um dos líderes mundiais de doação de órgãos em morte cerebral. “Temos mais de dois doentes em lista de espera para transplante de órgão que lhe vai salvar a vida ou a melhorar a qualidade de vida. Portanto, todas as estratégias que possamos usar para aumentar a doação são extremamente válidas”, acentuou, dando como exemplo “o Reino Unido e Espanha que expandiram, de forma considerável, o número de dadores com paragem circulatória controlada”.
Foram oradores, a médica intensivista Ana França, Ex-Coordenadora Nacional da Transplantação do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP. e perita de várias instituições internacionais nesta área, que realizou a contextualização da Doação de órgãos em paragem circulatória controlada; Eduardo Sousa, Médico especialista em Medicina Intensiva da ULS Coimbra, coordenador hospitalar de doação, que abordou a operacionalização; André Dias Pereira, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, presidente do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra e vice-presidente do Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida.
Ana França partilhou desde logo as estatísticas sobre a escassez de órgãos e o impacto que provoca, bem como a perspetiva global sobre o problema que é “penosa para os doentes e para as famílias; a comunidade médica deve ter condições para dar resposta a isto”. A seu ver, os pilares para uma programação de sucesso são: a estrutura e coordenação, legislação (que não seja limitante da atividade médica) e a regulação, capacitação e educação, registo e dados credíveis , infraestrutura, financiamento sustentável, rede de colaboração, apoio às famílias e parcerias com as organizações de doentes, melhoria contínua e investigação, monitorização e avaliação. “A legislação não deverá ser limitante da atividade médica”, acentuou. Reportando diretamente à capacidade de doação em paragem circulatória controlada, destaca a maior capacidade funcional dos órgãos e descreve a realidade na Europa, com a Espanha a destacar-se claramente nesta resposta. Com números de 2022, referiu que existem 14 países que têm doação em morte circulatória não controlada; há 12 países europeus que têm doação em morte circulatória controlada e, em oito países, coexistem os dois tipos. Desde 1994 até 2021, referiu ainda, foi notória a evolução no aumento da doação de órgãos em morte circulatória na Europa, após os consensos de regulação. Porém Portugal está longe dessa realidade. Ao invés, refere, “a nossa legislação não permite essa possibilidade de tratamento”, defendendo a reavaliação e adaptação da atual legislação em vigor de forma a não limitar a atividade médica.
Quanto à operacionalização, Eduardo Sousa, Médico Assistente Graduado em Medicina Intensiva da ULS Coimbra, coordenador hospitalar de doação nos Hospitais da Universidade de Coimbra (ECMO) e também o coordenador da equipa de ECMO nos HUC, revelou que “hoje em dia, já pouca gente liga à doação não controlada; o foco está na doação controlada”. A seu ver, quando se fala da operacionalização, há diversos temas que são importantes. A saber: enquadramento ético e legal, identificação e avaliação dos dadores, desenvolvimento de políticas e orientações, colaboração entre as partes envolvidas, protocolos médicos, entre outros. E foi sobre estes tópicos fez a sua abordagem.
André Dias Pereira, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, presidente do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra e vice-presidente do Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida, que abordou os aspetos legais, começou a abordar o conceito de morte, especificamente de morte cerebral, e a respetiva certificação.
Na sua opinião, para resolver os entraves que a atual legislação coloca, a Ordem dos Médicos deverá dirigir-se à Assembleia da República, à Comissão de Saúde e à Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida, a fim de atualizar a legislação.
Esta iniciativa decorreu na Sala Miguel Torga na sede da SRCOM, Avenida Dom Afonso Henriques, 39, em Coimbra, e contou com transmissão em direto na página oficial do Facebook.