“A investigação clínica é excelente para a formação”

“A investigação clínica é excelente para a formação”

O Centro de Investigação do Hospital de Santo André (HSA) está a assinalar 10 anos de existência, tendo uma parceria com o Centro de Inovação em Tecnologias e Cuidados de Saúde (ciTechCare) do Instituto Politécnico de Leiria. O Centro, liderado pelo médico cardiologista João Morais, levou a cabo no auditório da Escola Superior de Saúde de Leiria, durante dois dias (13 e 14 de maio), um congresso que assinala precisamente esta primeira década de existência deste centro de investigação, evento que decorreu sob o lema “Investigação, Inovação e Sustentabilidade em Saúde”.

O presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Manuel Teixeira Veríssimo, em representação do Bastonário da Ordem dos Médicos, foi interveniente no debate moderado por João Morais, e do qual fizeram também parte o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, e o Alto-comissário da Convenção Nacional de Saúde, António Sales. Neste debate, sob o tema “A sustentabilidade dos sistemas de saúde. O impacto na investigação” todos concordaram com a crucial importância da investigação, quer na melhoria da prática clínica, na qualidade dos cuidados prestados, quer na formação e na capacidade de atração dos mais jovens. Um debate moderado pelo Diretor do Serviço de Cardiologia da Unidade Local de Saúde da Região de Leiria, João Morais.

“Aquilo que estamos aqui a pensar , e o desafio deste tema, é a noção de que temos um SNS, ele próprio, que tem desafios de sustentabilidade e a investigação científica que ocupa um papel desejavelmente mais relevante. Tudo isto tem impacto nos decisores, na formação médica – daí a importância da Ordem dos Médicos neste tema”, sustentou João Morais logo no início do debate. Nesta senda, dirigiu uma pergunta ao presidente da SRCOM: “Como olhamos para a formação médica pensando um pouco em economia e sustentabilidade do sistema, qual o impacto da investigação?”. Na resposta – e felicitando em primeiro lugar o papel do médico cardiologista no sucesso deste centro de investigação e os demais participantes – Manuel Teixeira Veríssimo destaca, desde logo, que “a investigação tem sido o parente pobre da Saúde”. Em sua opinião,  “desaproveitamos muitas fontes económicas para a investigação, porque não temos investigação no SNS que, em grande parte, seria autossustentável”. O Centro de investigação de Leiria é, aliás, o caso que enaltece, citando-o como excelente exemplo de captação de recursos nos ensaios clínicos.  “A área dos ensaios clínicos é uma fonte muito pouco explorada”, apontou. A seu ver esta área resulta numa mais- valia para os profissionais, para os doentes (que assim têm acesso a inovação de medicamentos) e para as instituições que, também por esta via, podem atrair mais profissionais. “A investigação é a aquisição de conhecimento e isso é fundamental para a formação”, acentuou Manuel Teixeira Veríssimo.

Para Xavier Barreto, o coordenador do Centro de Investigação da ULSRL dirigiu uma questão também muito pertinente: “Existe incompatibilidade para o médico que investiga  e o médico que não produz para o contrato-programa assistencial. Como resolvem os administradores hospitalares esta aparente contradição?”. O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares foi categórico dizendo que a investigação é absolutamente fundamental, e destacou também o impacto financeiro e a importância na resposta aos doentes pela via, por exemplo, de fármacos inovadores. Sublinhando as palavras de Teixeira Veríssimo, Xavier Barreto também sublinhou o impacto nos recursos humanos: “Se há coisa que o SNS pode oferecer aos trabalhadores é esta diferenciação e a capacidade de fazer investigação de ponta. E já muitos hospitais que perceberam que a investigação deve ser considerada a par da produção clínica. Já há hospitais que estão a reservar tempo do horário de trabalho para essa área”.

Ao passar a palavra para o Alto-comissário da Convenção Nacional de Saúde, João Morais lembrou que Portugal se encontra numa fase de mudança conceptual com a mais recente produção legislativa (citando o Programa Saúde+Ciência que tenta promover condições para os estudantes de doutoramento dos hospitais do SNS) e o despacho (ministérios da Saúde, Ciência, e do Mar) que permite maior autonomia para os centros de investigação, a criação de CRI e associações de direito privado para investigação.

Para António Lacerda Sales, que deu os parabéns pelos 10 anos deste centro, lembrou a frase que está em letras muito grandes numa das paredes do IPDJ de Leiria: “Inovar é criar e criar é a atitude mais nobre do ser humano”. Pegando nesta frase, o antigo secretário de Estado da Saúde julga que é necessário olhar também para os curricula das faculdades no que toca à área da investigação. “É muito importante que o Ensino Superior que começa toda a motivação para a área da investigação”, disse. “Recordou: “Tenho 40 anos de SNS e sempre ouvimos falar de sustentabilidade versus insustentabilidade do SNS. Se deixássemos de ouvir falar de sustentabilidade, o processo deixaria de ser coletivo e expunha as classes mais vulneráveis. Sustentabilidade significa alocar os recursos que são necessários, sem comprometer as gerações presentes e futuras, para dar resposta às populações”. António Sales abordou ainda as várias dimensões da sustentabilidade: orçamental, recursos humanos, desempenho, qualidade, eficácia, inovação, investigação. Neste contexto lembrou ainda que há um “antes e depois da pandemia CoVID-19”, no sentido em que existe agora mais e maior uso de meios digitais de inovação e investigação. “Em 2021 tínhamos 144 ensaios clínicos e hoje mais do duplicámos esse número”. No campo da execução de fundos estruturais da UE dirigidos para a inovação e tecnologia, a situação portuguesa não é satisfatória, pois António Sales afirmou que o país executa 17% . “É necessário que os presidentes dos conselhos de administração [das instituições de saúde] estejam motivados para esta questão, nomeadamente o maior aceso dos doentes aos ensaios clínicos”. O ex-governante e médico ortopedista assume igualmente um tópico comum a todos intervenientes: a necessidade de ‘tempo dedicado’ para investigação. A seu ver também urge a agilização mais rápida de parecer das comissões de ética para os ensaios clínicos. Na segunda ronda de intervenção, Manuel Teixeira Veríssimo defendeu investigação independentemente de ser realizado no SNS ou no sistema privado. “A Ordem dos Médicos está centrada e exige qualidade na formação. Os hospitais privados também podem e devem promover investigação em geral, também porque quando a investigação é bem feita promove bons resultados, promove as instituições e resulta em vantagem para os doentes”.

O Centro de investigação, que comemora 10 anos de parceria com o ciTechCar, integra desde janeiro a ULS da Região de Leiria. Em declarações feitas à Agência Lusa, João Morais deu conta que o centro de investigação do Hospital de Santo André (HSA), em Leiria, já gerou cerca de um milhão de euros (ME), durante os dez anos de atividade. João Morais é também vice-presidente do Conselho de Orientação e Fiscalização da PtCRIN – Rede Portuguesa de Infraestruturas para a Investigação Clínica.

Durante dois dias, na Escola Superior de Saúde de Leiria, o programa deste congresso contemplou debates, conferências sobre envelhecimento ativo e  saudável, robótica, Medicina de precisão, bioética, saúde digital, alterações climáticas, IA em medicina, entre outros. Foram apresentadas quase uma vintena de comunicações orais com inúmeros temas de elevado interesse

Partilhe nas redes:

Ordem dos Médicos