Teve início no dia 13 de outubro o “Congresso Internacional Scientiae thesaurus mirabilis” com o subtema “A Universidade de Coimbra – História e legado em tempo de pandemia”, evento que surge, aliás, num momento histórico muito particular. “Não é a primeira vez que temos pandemias, mas continuamos a cometer os mesmos erros”, disse na sessão de abertura do congresso o presidente Executivo do congresso e presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos. A Ordem dos Médicos não podia deixar de responder a este desafio de refletir sobre mais uma pandemia e também sobre a História da Universidade de Coimbra, uma das mais antigas da Europa, cuja instituição tão interligada está à medicina e ao ensino médico em Portugal e na Europa.
Assim, durante três dias (13,14 e 15 de outubro), no Salão de S. Tomás de Aquino (Seminário Maior de Coimbra), e com a organização levada a cabo pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM), pelo Núcleo de História da Medicina da Ordem dos Médicos (NHMOM) e, também, pelo Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Universidade de Coimbra, congressistas e palestrantes irão produzir novas reflexões e novos ensinamentos. Olhar e estudar o passado e os acontecimentos de grande impacto social e sanitário, assumiu Carlos Cortes, “traz-nos uma luz sobre o entendimento do presente e ajuda-nos na construção do futuro”. Sintetizou Carlos Cortes: “A História tem de servir para nos ajudar a preparar o futuro. Espero que estas pandemias mais recentes e com os conhecimentos que nós temos, com a capacidade de mantermos a informação de perdurar no tempo, com mais clareza e com mais evidência científica nos possa conduzir para um futuro melhor”.
Para o presidente do Congresso e Bastonário da Ordem dos Médicos, estas iniciativas devem ser replicadas pois são muito importantes, dando nota do seu testemunho de agradecimento ao presidente da SRCOM, Carlos Cortes, à presidente do NHMOM, Maria do Sameiro Barroso, à Coordenadora do CIAS, Cristina Padez, e ao presidente da Comissão Científica e ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa. Miguel Guimarães agradeceu ainda a presença de Arnaldo Figueiredo, em representação da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Abordando a evolução das pandemias, “e se recuarmos algo tempo, verificamos que estas doenças não eram identificadas de forma científica, não se consegui ver qual era o agente causador da doença, o que, muitas vezes, as pessoas associavam a causas divinas ou baseadas em crenças e mitos”. Lembrou: “Desde a peste bubónica, à cólera, ou à Sida, elas estão associadas à circulação massiva de pessoas, algo que hoje já conhecemos o impacto”. Considerando pois “a globalização e a forma fácil como viajamos, os contactos que temos, permite que os vírus se transmitam de forma muito mais rápida que foi o que aconteceu com a disseminação do SARS-CoV-2”. Miguel Guimarães não deixou de lembrar a fantástica evolução da ciência nesta pandemia, reportando-se, por exemplo, ao rápido desenvolvimento das vacinas.
Na sessão de abertura, Arnaldo Figueiredo, Representante do Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e há mais de 10 anos regente da cadeira da História da Medicina na FMUC. “Se aqui estamos é porque valorizamos a importância da História da Medicina”, mas, reflexo do “sinal dos tempos” lamentou que tenha deixado de ser uma cadeira semestral” para “agora serem três horas de aulas teóricas em que se esgota a disciplina”. Apontou o docente: “Isto é um sinal que estamos a transmitir e apontar para quem entra como aluno”. E citou o desconhecimento que existe em questões históricas “básicas” quando na primeira aula confronta os estudantes, numa espécie de concurso televisivo, com questões sobre, por exemplo, “em que século viveu Hipócrates ou há quantos anos temos Raio-X ou quando foi feito o primeiro transplante”. O resultado das respostas efetuadas num papel, de forma anónima, é de um “desconhecimento” quase total. “Já na primeira vacina do século XVIII havia negacionistas”, lembrou o professor universitário, considerando pois que há uma repetição da História que “é importante investigar” para “evitar erros passados”. Por seu turno, Cristina Padez, Coordenadora do CIAS, Diretora do Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra, assumiu que se revê em muitas das palavras ditas até ao momento da sua intervenção. “A História da Medicina é importante. O estudo do passado é sempre importante para perspetivarmos o futuro, é isso que costumo dizer aos meus alunos”.
Em seguida, Germano de Sousa, Presidente da Comissão Científica do congresso e ex-bastonário da Ordem dos Médicos assumiu que é importante o aprofundamento da intervenção do NHMOM pois “quem não sabe de onde vem não saberá para onde vai, nós médicos precisamos de saber de onde vimos”, assumindo que a “vetusta” universidade coimbrã está a descurar esta área, exortando a mudança desta realidade: “Olhar com atenção a tudo o que se passou na nossa profissão, ensina-nos muito para o futuro”.
Maria do Sameiro Barroso, Presidente do Núcleo de História da Medicina da Ordem dos Médicos, considerou ser um dia muito feliz para quem gosta de História da Medicina, citando a presença e o apoio de três bastonários na sala: Miguel Guimarães, Germano de Sousa e António Gentil Martins. Ao atual bastonário dirigiu umas especiais palavras de agradecimento por ter dado destaque aos médicos de família durante a pandemia. Por outro lado, classificou de prioritária a necessidade de “pensar nos médicos também como agentes de cultura e de investigação”. Por outro lado, defendeu que a Universidade de Coimbra “merecia e merece mais atenção”, agradecendo ao Professor Alfredo Rasteiro a ideia de escrever um livro e também ao presidente da SRCOM, Carlos Cortes, por ter acolhido esta iniciativa. “Coimbra é um museu vivo, tem preciosidades que devem ser trazidas à luz” do dia. Um tema aliás foi acrescentado ao programa do congresso, o da museologia médica.
No Salão de S. Tomás de Aquino, e durante este congresso, estiveram patentes uma coleção de ex-votos resultado da recolha e análise do cirurgião João Patrício; uma coleção de antigos utensílios de prática médica do otorrinolaringologista Pedro Tomé; e referências a Carolina Beatriz Ângelo, a primeira cirurgião portuguesa.
O site do congresso: http://www.nhcongressosthmirabilis2022.com
Recorde-se que a Universidade de Coimbra foi criada pelo documento Scientiae thesaurus mirabilis, em 1290, em Lisboa, no atual Largo do Carmo. Foi transferida para Coimbra em 1308 (regressou a Lisboa e a Coimbra várias vezes, até que D. João III a fixou em Coimbra, em 1537). O Papa Nicolau IV, em bula datada de 9 de Agosto de 1290, reconheceu o Estudo Geral, com as faculdades de Artes, Direito Canónico, Direito Civil e Medicina. A teologia ficou reservada aos conventos dominicanos e franciscanos.
O programa do congresso contemplou ainda visitas a vários museus e espaços da UC, bem como à jóia preciosa que é, em si mesmo, o edifício central do Seminário Maior de Coimbra, instituição que acolheu os palestrantes e congressistas.