Tertúlia ‘Pensar a Prevenção’ – Noite Saudável | 40 anos SNS

Tertúlia ‘Pensar a Prevenção’ – Noite Saudável | 40 anos SNS

No âmbito do vasto programa organizado pela Ordem dos Médicos para assinalar os 40 anos do Serviço Nacional de Saúde decorreu, ao final da tarde de 12 de setembro, a Tertúlia Noite Saudável ‘Pensar a Prevenção', no emblemático Café Santa Cruz, em Coimbra. Foram oradores: Teresa Bombas (Ginecologista Obstetra e membro da Direção da Sociedade Portuguesa da Contracepção), Teresa Sousa Fernandes (Ginecologista Obstetra e fundadora da Sociedade Portuguesa de Contracepção), Rocha Almeida (Psiquiatra e Coordenador da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências – ARS Centro), e João Pedro Pimentel (Médico Saúde Pública, Departamento Saúde Pública ARS Centro).
Eduardo Francisco, membro da Comissão Organizadora dos 40 anos do SNS por parte da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, fez o acolhimento de todos bem como apresentando os oradores, assinalando em seguida que os 40 anos do SNS é uma das maiores conquistas da Democracia, colocando Portugal nos melhores patamares na qualidade de prestação de cuidados de saúde. Porém, ressalvou o médico de família, "os últimos anos foram difíceis mas todos os profissionais têm feito o seu melhor". Concluiu: "Se é uma das mais importantes conquistas de abril, não podemos desmerecê-lo. Temos, antes, a responsabilidade de o rejuvenescer".

A moderação desta tertúlia esteve a cargo do médico psiquiatra João Redondo (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Projeto Noite Saudável das Cidades do Centro de Portugal). "Uma das áreas, para mim, fundamental na saúde é a Saúde Pública, primordial na prevenção dos riscos, em função da evidência, para construir estratégias". Ora foi exatamente sobre as estratégias e especificidades da 'Noite Saudável', citando números referentes à realidade da cidade Coimbra (estudo efetuado em 2014), que João Redondo chamou a atenção para os dados que espelham também a realidade de outras cidades europeias, "uma vez que, os fatores de risco da noite e dos seus espaços recreativos, têm indicadores que nos fazem pensar que é preciso fazer alguma coisa". Eis os números que o psiquiatra João Redondo partilhou, então, para a reflexão, no âmbito desta tertúlia: "Em 64.5% dos casos, nos últimos 12 meses as relações sexuais tinham ocorrido sob o efeito de álcool; portanto, quase dois terços têm a ideia de que tudo corre melhor sob o efeito de álcool; 43.5 %, nos últimos 30 dias, tinham sido conduzidos de automóvel por condutores embriagados ou sob o efeito de outras drogas". Assinalou: "Se lerem os relatórios anuais das forças de segurança, às sextas e sábados é quando mais jovens morrem e sofrem lesões graves vítimas de acidentes na estrada". Ainda citando o estudo, "a idade de início de consumo de álcool é de 13.86; 13%admitiram consumir todos os dias cannabis e 10% snifar cocaína; 60 % sentiam mais violência e agressividade na noite". Neste contexto, lembrou o Projeto 'Noite Saudável das Cidades do Centro de Portugal' que envolve 24 municípios da região Centro (brevemente 25, com a Nazaré) que envolve três grandes áreas: a violência, o abuso de álcool e o consumo de drogas ilícitas e a sinistralidade rodoviária.
Na intervenção seguinte, sobre estas problemáticas, João Pedro Pimentel acentuou a ideia de que é premente falar da prevenção. "A magnitude e dimensão dos problemas enunciados pelo Dr. João Redondo bastam para percebermos que, de facto, os serviços de saúde pública, por si, não resolverão jamais estes graves problemas, da sinistralidade, da gravidez na adolescência, da gravidez não desejada, do consumo de drogas e outras substâncias aditivas". Defende, assim, que "só um projeto desenhado [como o Noite Saudável] e também o SNS para darem contributos fundamentais na prevenção da saúde. É, pois, na comunidade que está a verdadeira estrutura de saúde pública. "É necessário envolver todas as instituições na perspetiva de que não seja necessário chegar às estruturas de saúde".
Na perspetiva da obstetra Teresa Bombas, que trabalha em saúde reprodutiva, em contraponto com Teresa Sousa Fernandes (que falará sobre o tempo em que não havia SNS), sublinha que "atualmente temos uma Medicina curativa de muito boa qualidade e temos de apostar na medicina preventiva. Isso faz com que, nós médicos, saiamos do hospital para atuar na comunidade", ressalvando que esse é um treino que não tiveram na universidade. Acrescenta ainda que é uma vantagem viver em Coimbra, cidade com excelentes indicadores de saúde. "Temos um legado que é dar às nossas gerações a possibilidade de continuar com este trabalho". Quando comparamos Portugal com outros países da Europa, a maior parte dos países não tem acesso a saúde reprodutiva (nem contraceção, nem acompanhamento gratuito durante a gravidez e parto, nem acesso à interrupção da gravidez de forma gratuita). Por outro lado, Portugal é o único país da Europa com programa de educação sexual obrigatório nas escolas. Teresa Bombas destaca ainda o trabalho que é efetuado com os estudantes de Medicina (que atuam numa formação interpares, para evitar comportamentos de risco;). Interessante o contraponto com a médica obstetra Teresa Sousa Fernandes que começou por enumerar as características da vida social dos estudantes universitários na década 60 do século passado. Nessa altura, relembrou, as saídas à noite começavam às 21h00 e à meia-noite estava tudo em casa. "Mais do que três pessoas era um ajuntamento e tínhamos a polícia em cima de nós para irmos para casa". Realidade bem diferente já com os seus três filhos. Teresa Sousa Fernandes não deixou de notar, não obstante, que a educação começa pela vivência dos pais e pelos exemplos que dão. Acentuou: "A prevenção começa em casa". Recordou ainda como foi percursora, com o apoio do Dr. Albino Aroso, da primeira consulta de planeamento familiar (em 1980) na Universidade de Coimbra. "Chamava-se Educação Sexual e Terapia Familiar porque era ilegal falar de consulta de planeamento familiar". Olhando para a sala, Teresa Sousa Fernandes lembrou o papel do ginecologista obstetra David Rebelo, ali presente, o primeiro presidente da Sociedade Portuguesa da Contraceção, uma das figuras que mais se destacou pela importância que deu à contraceção no âmbito do planeamento familiar e na promoção da qualidade de vida da mulher. Teresa Sousa Fernandes, que continua a fazer voluntariamente esta consulta aos universitários, conta que atualmente tudo é diferente de outrora: "Antigamente, eram pessoas que tinham tido desgraças graves", recordando os primórdios da toma da pílula no final dos anos 70. "Hoje tenho muitos estudantes de Erasmus".
Por fim, antes do período de debate, Rocha Almeida (Psiquiatra e Coordenador da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências – ARS Centro), começou por recordar que "quando na década de 80 / 90 tivemos um grave consumo de heroína, entendeu-se que tinham de se criar serviços para dar resposta. Com a descriminalização do consumo no ano 2000, houve uma tendência para considerar que estávamos perante uma doença". Rocha Almeida afirmou que, nessa altura, a grande maioria das consultas eram por consumo de heroína, hoje, o padrão de consumo mudou (mais de 50 por cento das primeiras consultas são por consumo de cannabis, logo seguido por cocaína). Há, pois, atualmente, um novo perfil de consumidores: mais jovens (média de idade, 19 anos), bem inseridos na sociedade, com dinheiro, e que consomem fundamentalmente em contextos recreativos. Porque constituem as drogas, hoje, então, mais problemas? O psiquiatra responde de pronto: "Porque são mais potentes. Um charro de cannabis dos anos 80 não tem nada a ver com um charro de cannabis atual. Isto preocupa-nos, obriga-nos a repensar a prevenção, até porque a intensidade no consumo de álcool também é um problema". Defende, por isso, alteração nas estratégias de prevenção, quer na escola quer com as famílias.

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