O curso da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (UC) da licenciatura de 1962/1968 assinalou, no fim-de-semana, os 50 anos de formatura e reviveu, também, a Queima das Fitas. Num tempo em que o percurso das palavras era ousadia destemida, num tempo em que os estudantes davam voz ao inconformismo, num tempo em que a guerra sorvia amores e alegrias, a vida académica era vivida com tal intensidade que, hoje, 50 anos volvidos, olhar para este grupo que cursou medicina em Coimbra só pode orgulhar todos os vindouros. Viveram a última queima das fitas antes do luto académico. São, hoje, memória viva do que então se vivenciou no nosso país bem como nas antigas colónias ultramarinas (alguns foram para a guerra no ultramar). Coimbra é, pois, o tronco comum de convergências, de memórias de curso, e de uma profissão que abraçaram com denodamento.
Cinquenta anos depois de um percurso académico marcante convergiram a Coimbra para festejar as bodas de ouro de curso. Vieram 41, alguns dos Açores e da Madeira, de Angola, da Suíça. O presidente da Secção Regional do Centro da OM, anfitrião deste momento tão especial, destacou o momento inédito na Ordem dos Médicos desde que iniciou o seu mandato na OM. "Nunca nenhum curso veio aqui festejar na Ordem dos Médicos. É com muita emoção que vos acolho". Carlos Cortes destacou também o pioneirismo deste grupo cuja herança os tempos atuais começam lamentavelmente a desbaratar. "A entrega permanente aos doentes, os valores humanistas que nos legaram estão em risco", observou.
Na sua intervenção, Carlos Cortes lamentou o facto de, na sua atividade enquanto dirigente da Ordem dos Médicos, encontrar muito desânimo e apreensão, com uma 'luz ao fundo do túnel' quase inexistente. Este quadro sombrio, sublinhou, encontra-o na sequência das inúmeras visitas que efetua aos centros de saúde e hospitais da região Centro. "Ninguém pode garantir que os que nos legaram" possa existir durante muito tempo, lamentou. "O vosso momento não foi um momento fácil, como hoje não é. Não deixo de recordar que, na altura, estávamos em ditadura, as vossas liberdades estavam coartadas e lutaram contra isso!".
Este reencontro festivo teve início no sábado, 5 de maio (17h00) na Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos.
Nesta sessão, o presidente, Carlos Cortes, entregou os diplomas que assinalam simbolicamente as "bodas de ouro" e, na mesma ocasião, em resultado de uma ideia da comissão organizadora, cada um recebeu também um azulejo onde ficaram gravadas/pintadas as assinaturas de todos os estudantes do curso Medicina 1962/1968. Depois das fotografias que captaram este momento simbólico, oportunidade para escutar Pio de Abreu que fez uma resenha do tempo em que foram estudantes, abordou as implicações sociais e políticas de então, lembrando as vicissitudes em que o curso foi partido em dois, em virtude das perseguições políticas de que eram alvo os colegas (eram detidos) e outros iam para as guerras. "Eu estudava nas férias. Naquele tempo, a prioridade era derrubar o regime", recorda Pio Abreu. O médico psiquiatra e escritor lembrou como no meio deste ambiente marcadamente hostil foi possível negociar e colocar no terreno as carreiras médicas".
Coube a outro elemento das organização desta efeméride, João Relvas, homenagear os colegas falecidos. Entretanto, a médica obstetra Teresa Sousa Fernandes, uma das principais impulsionadoras deste programa, leu poemas de um dos colegas que não conseguiu estar presente. "Este curso foi muito importante, percursor nas carreiras médicas, fomos os últimos estudantes de medicina antes do luto académico. Somos um grupo muito unido", disse.
De entre este grupo tão peculiar, vários clínicos são também reconhecidos escritores, pintores, cantores. A título de exemplo deste naipe de artistas citamos os nomes de António Rojão, António Vilar, Francisco Gaivão, Pio Abreu, José Miguel Baptista, Luís Rebelo, Manuel de Jesus Mendes, Helena Simões Rodrigues, Teresa Sousa Fernandes. Deste curso médico fazem parte, entre outros nomes já citados, os psiquiatras, João Relvas, António Vilar (Drácula) e Delgado Lameiras, os obstetras Antonino Silvestre, e David Esteves, os pediatras Alda Urbano e Faím Pessoa, os cirurgiões João Ganho e Maria Helena Rodrigues, assim como ginecologistas, internistas, entre outras especialidades.
No domingo (dia 06), destaque para mais uma aventura: o ingresso no cortejo da Queima das Fitas, 50 anos depois!