Tentar explorar e refletir sobre cada uma das posições que existem sobre a eutanásia foi o propósito da última sessão do 3º ciclo das "Conversas com Ética", intitulada "Eutanásia e suicídio assistido". O tema, muitas vezes apelidado de fraturante na sociedade portuguesa, proporcionou um aceso e intenso debate cuja temática impulsionou muitas perguntas por parte da assistência que lotou o auditório I da Subunidade 1 do polo III da FMUC.
Miguel Oliveira da Silva, médico e professor catedrático de Ética Médica, e José Manuel Pureza, professor catedrático de Economia e deputado da atual legislatura, trouxeram diferentes ângulos e argumentos.
O debate, moderado pelo ex-diretor do Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (aposentou-se em março 2018), Jorge Pimentel, contou também com as intervenções do subdiretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Américo Figueiredo, e do presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes.
"Pretendemos que a Universidade de Coimbra, com todos os seus parceiros, a Universidade Católica, as ordens profissionais, consigam ajudar a enriquecer os conhecimentos e a refletir sobre as questões importantes da nossa atualidade", aludiu Margarida Silvestre, que é também membro do Gabinete de Ética e Deontologia da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos e é regente da cadeira de ética, Deontologia e Exercício Profissional do Instituto de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
"A reflexão da eutanásia tem mais a ver com a reflexão de cada um em detrimento do que possa ser discutido", aludiu logo no começo do debate o professor Jorge Pimentel, explicando que, na sua visão, há demasiados equívocos na literatura. A seu ver, "eutanásia é um pedido feito por alguém que está consciente, que está bem informado, que tem uma doença incurável em fase terminal ou incurável – quer dizer que foram esgotados todos os tratamentos viáveis – e que provoca sofrimento físico e psicológico".
Por seu turno, Miguel Oliveira da Silva – que saudou a SRCOM por ter iniciado o debate desta temática – assumiu que concorda com a definição do professor Jorge Pimentel. Bastante contundente no tom do seu discurso, a seu ver, é necessário estabelecer a diferença abissal entre o Direito a pedir eutanásia e o Direito à Eutanásia.
José Miguel Pureza, na sua primeira intervenção neste debate, deu conta do que defende nesta matéria tão sensível e trazendo à discussão o atual edifício legal plasmado no Código Penal: "Crime de auxílio ao suicídio e crime de homicídio a pedido". "A pergunta que se me coloca é saber se estas situações de crime devem ser punidas em qualquer circunstância", disse, ou se há circunstâncias de exclusão de ilicitude. "É evidente que este juízo é muito difícil, porque joga com valores essenciais, joga com consensos ou a falta dele nas sociedade e deve ser refletido com todo o rigor uma vez que – felizmente – não há uma ordem de valores oficial", sublinhou o deputado do Bloco de Esquerda e vice-presidente da Assembleia da República. O seu ponto de partida é a de que "uma lei sobre questões desta natureza deve partir do princípio de tolerância".
Prosseguindo as intervenções, Carlos Cortes, que considerou este tema absolutamente interessante e apaixonante, quis desde logo saudar o papel da professora Margarida Silvestre "pela dinamização do debate destas questões" no gabinete inovador do qual faz parte na SRCOM. "No Centro, temos feito um caminho para inverter a falta de debate no domínio da Ética e da deontologia", justificando que estas são disciplinas fundamentais na vida de todos e dos médicos em particular. Em seu entender, em jeito de reflexão, "tem havido escassez de informação neste debate sobre a eutanásia" e confessa-se espantado com a confusão de conceitos entre eutanásia e a distanásia. "Estas questões de morte e de vida preocupam-me bastante ", assumindo que tem vindo a alterar a sua perspetiva sobre estes temas. Na sua intervenção, Carlos Cortes abordou as questões do controlo da dor (onde a evolução da ciência e da Medicina tem dado passos gigantes nas últimas décadas), as questões da morte (ritual cada vez mais escondido na sociedade ocidental) e deu conta da sua discordância na utilização da expressão "Morrer com Dignidade" uma vez que "as pessoas que morrem nos hospitais não morrem com dignidade". O subdiretor da FMUC, Américo Figueiredo, que agradeceu às professoras Ana Sofia carvalho (Universidade católica Portuguesa) e Margarida Silvestre (FMUC) a organização deste evento, deu conta das pertinentes intervenções dos oradores e do moderador do debate.
Numa ronda de perguntas, alguns dos presentes questionaram o deputado bloquista sobre a legitimidade dos deputados em legislar nesta matéria (lembrando até Miguel Oliveira da Silva que nenhum partido político colocou este assunto no seu programa eleitoral), mas José Manuel Pureza foi contundente: "No caso do Bloco de Esquerda, creio poder dizer que ninguém terá dúvidas sobre as posições do partido ao longo dos anos sobre esta matéria. Ao longo destes três últimos anos, participei em debates promovidos por partido e por diversas associações do país e nessas sessões com que pude contactar têm histórias de familiares, de amigos e de pessoas a quem esta questão se pode ter vindo a colocar". Sublinhou: "Procuro representar essas pessoas, quem quer que elas sejam, e que procuram uma resposta equilibrada, sensata, casando princípios".
Em suma, pelo teor e pertinência das intervenções e das perguntas, todos concordam que é necessário prosseguir o debate na sociedade portuguesa.
Recorde-se que, ao longo das seis sessões, estiveram em debate diversos temas, tais como: a utilização da cannabis para fins terapêuticos, a violência doméstica, , os alimentos e os suplementos, as novas tecnologias de Engenharia Genética, entre outros, numa iniciativa conjunta da FMUC e Universidade Católica Portuguesa. A forte adesão do público foi um dos denominadores comuns da 3ª edição das "Conversas com Ética" organizadas pelo Departamento.