A pungente crise dos refugiados recorda-nos uma frase de Mia Couto: encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos.
Pela sua vocação vital, humanista e solidária, porque todos os dias vivem o apelo e tentam resolver as difíceis histórias de vida dos seus doentes, os médicos sentem em particular o drama de todos aqueles padecem, dos que são obrigados a fugir das suas casas e dos seus países, dos que sofrem sem o conforto do calor de uma mão amiga, de todos aqueles que precisam da solidariedade e compreensão dos outros seres humanos.
Nós próprios, portugueses, em Portugal ou no estrangeiro, já necessitámos, em muitos momentos da nossa história e das nossas vidas, até pessoais, da solidariedade dos outros, pelo que somos um povo naturalmente solidário e particularmente humano e integrador.
O imenso e chocante drama dos refugiados, que a todos toca e constitui uma vergonha para a humanidade, tem culpados dos dois lados das fronteiras. Em abstracto, todos partilhamos essas responsabilidades.
Assim, consciente que é com a colaboração de todos que se constrói um mundo melhor e mais solidário, a Ordem dos Médicos anuncia que se disponibiliza para receber uma família de refugiados num apartamento do Fundo de Solidariedade da Ordem dos Médicos, em Lisboa, e, através do mesmo Fundo, em conjunto com as autoridades oficiais, assumir as responsabilidades financeiras que se revelem necessárias e estejam ao seu alcance para a sua integração na Sociedade ou até um eventual regresso ao país de origem.
O Fundo de Solidariedade da Ordem dos Médicos tem como missão prestar auxílio a médicos carenciados, ajudando, em montante variável, dezenas de médicos ou familiares de médicos que vivem com graves dificuldades, mas perante esta situação excepcional não lhe poderia ficar alheio.
Sublinhando as responsabilidades que o Ministério da Saúde deve assumir nesta matéria, a Ordem dos Médicos manifesta plena confiança na disponibilidade de todos os médicos para colaborar na recepção de uma população profundamente fragilizada e traumatizada, que necessitará certamente de cuidados de saúde urgentes, polivalentes e continuados.
A Ordem dos Médicos não pode mudar o mundo, mas, nas suas competências específicas e também desta forma, presta a sua contribuição para melhorar o mundo à nossa volta. Se todos contribuirmos com o que estiver ao nosso alcance, poderemos construir e viver num mundo melhor.
Ordem dos Médicos, Lisboa, 17 de Setembro de 2015