Desiludidos. Cansados. Desmotivados. Foi desta forma que os internos da Região Centro se mostraram durante a Conversa em Dia sobre o Internato Médico, que teve lugar no dia 4 de Junho, na Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM).
O encontro, muito participado pelos internos de diversas unidades de saúde da Região Centro, contou com as presenças dos responsáveis pela formação, Dra. Diana Fernandes do Conselho Nacional do Médico Interno e representante de Portugal no Conselho Executivo do Grupo de Trabalho Internacional ‘European Junior Doctors', Dr. Filipe Pinheiro do Conselho Nacional da Pós-Graduação e Dr. Luís Trindade do Gabinete de Formação Médica do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos.
Moderada pelo Prof. Doutor Américo Figueiredo, Vice-Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos, "a mesa" contou ainda com os contributos do Dr. Rui Filipe da Direção Clínica da Unidade Local de Saúde (ULS) de Castelo Branco e do Dr. Alvaro Matos, Jurista da Ordem dos Médicos, cujos esclarecimentos jurídicos representaram uma mais-valia para os internos.
A falta de apoio e orientação de um especialista e a "obrigação" de fazer urgências, ao invés de aprofundar conhecimentos e prática médica nas respetivas especialidades, foram duas das questões debatidas neste encontro. "Um interno, até ser especialista, é sempre um interno e, por isso, a medicina que exerce tem de ser tutelada. Se toma decisões como especialista e as coisas correm mal, pode vir a ter problemas", realçou o Dr. Carlos Cortes, Presidente da SRCOM.
Opinião diversa foi manifestada pela Dra. Diana Fernandes: "Em qualquer especialidade devemos ter orientação mas nem sempre está alguém do nosso lado quando precisamos e isso não é mau de todo, porque precisamos de crescer".
Para os internos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra a falta de orientação é um problema constante. "O apoio de especialistas não é uma realidade em 91% das especialidades médicas", afirmou a Dra. Inês Mesquita, interna de Anestesia. Neste centro hospitalar vive-se ainda o problema das aprovações de estágios no estrangeiro. Problema que surpreendeu a Dra. Marta Costa e o Dr. Filipe Almeida, representantes da Comissão de Internos do CHUC: "é uma situação que já se pensava resolvida, dada a garantia da Direção Clínica, mas lamentamos saber que ainda existem estágios que não estão a ser aprovados".
Perante os factos relatados pelos internos do CHUC, o Dr. Rui Filipe, da ULS de Castelo Branco, mostrou-se perplexo, uma vez que se trata de um hospitalar de grande dimensão e, por inerência, com um grande número de médicos. Por tal facto, situações de urgências e SOS assegurados por internos, como aí foi relatado, apresentam-se como cenários surreais e que não se verificam, de todo, na ULS da qual é Diretor Clínico.
Com mais de 700 internos, o CHUC é maior do que muitas cidades o que "não deixa de ser uma realidade estranha", disse o Dr. Luís Trindade. "Eu era por natureza um otimista e passei a pessimista com o processo de fusão do CHUC. A máquina tem de ser gerida com os que estão em casa mas sem esquecer os que estão fora e vão voltar", disse, concluindo que "estas reuniões são ótimas mas temos de puxar mais pessoas para a luta. Apesar de não estarmos aqui com uma representação massiva sei que contamos com o apoio de todos os internos, por isso existem as comissões de internos cujos representantes estão aqui presentes".
A Medicina Geral e Familiar não foi esquecida neste encontro, onde o Dr. Henrique Correia, representante da Comissão de Internos de Medicina Geral e Familiar da Zona Centro, elencou sete pontos que considera fundamentais para a formação dos futuros médicos de MGF, nomeadamente a importância dos internos conhecerem os cuidados de saúde secundários para, dessa forma, "prestarem melhores cuidados de saúde primários". Sobre a MGF, o Prof. Doutor Américo Figueiredo avançou a necessidade de agendar um próximo encontro sobre o internato médico de Medicina Geral e Familiar.
O Presidente da SRCOM mostrou-se solidário e preocupado com as situações relatadas, algumas das quais têm vindo a ser acompanhadas de perto pela Ordem dos Médicos. "Temos como objetivo defender a boa formação médica e sabemos que existem graves problemas no CHUC – hospital que está sob avaliação e intervenção da Ordem – e que já foram transmitidos ao Presidente da Administração Regional de Saúde Centro e à própria Direção Clínica", revelou. Mas para que a OM possa agir, nesta e noutras unidades de saúde, é necessário que as respetivas Comissões de Internos transmitam o que está a acontecer. "Não iremos permitir que se faça má formação nos serviços, por isso, se existem problemas nos vossos hospitais, é vossa obrigação como internos informar a Ordem dos Médicos", alertou o Dr. Carlos Cortes.
Perante os diversos problemas que a SRCOM tem detetado nos hospitais da Região Centro, foi o Centro Hospitalar do Baixo Vouga que "mereceu" a intervenção inédita e imediata desta Secção Regional da Ordem, que pediu a avaliação da capacidade formativa de todos os serviços com internos desta unidade.
"Fala-se muito da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, mas quem verdadeiramente o sustenta hoje são os médicos, porque são bons especialistas. E essa qualidade da medicina portuguesa – reconhecida em diversos países – começa por vocês. Não podem baixar os braços e têm de exigir respostas à Ordem, aos hospitais e às comissões de internos. As organizações têm força, se tiverem os médicos perto de si", concluiu o representante dos médicos na Zona Centro.