Unidades de Saúde Pública à beira do colapso

A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) continua a manifestar bastante preocupação face ao número excessivo de tarefas e horas de trabalho contínuo realizadas pelos médicos especialistas em Saúde Pública (todos os dias da semana incluindo sábados e domingos – sem descanso retemperador), alertando para a escassez de recursos disponíveis para monitorizar a avalanche de casos diários de infeção por SARS-CoV-2 e impostas tarefas descontextualizadas para o período pandémico que vivemos.

A título de exemplo, e de acordo com informações recolhidas, só no concelho de Coimbra nos dias 4 e 5 de janeiro, os médicos de Saúde Pública receberam 824 novos processos para inquérito epidemiológico. E, ao final do dia 5 de janeiro, aguardavam o primeiro contacto mais de 600 pessoas que testaram positivo à SARS-CoV-2.

Outro exemplo, acrescente-se: no início deste ano (ao dia 3 de janeiro), os contactos de vigilância a efetuar a cidadãos que se encontravam em isolamento profilático por serem contactos de alto risco, seguindo as normas e orientações da DGS à data, contabilizavam mais de 180 mil pessoas.

Face a este contexto, a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos tem recebido vários pedidos individuais de exclusão de responsabilidade dado que os especialistas em Saúde Pública estão a reportar o funcionamento anómalo dos serviços, perante tão desgastante trabalho. “Os médicos de saúde pública estão no limite da sua capacidade anímica, encontrando-se com sinais evidentes de burnout. É urgente uma intervenção por parte da Administração Regional de Saúde do Centro e do Ministério da Saúde”, exorta o presidente da SRCOM, Carlos Cortes.

“Se somarmos a todas as dificuldades de quem vive e trabalha em permanente estado de emergência devido ao COVID-19 (ao efetuar centenas de horas suplementares, sem direito a tolerâncias de ponto ou compensações e sem efetivo descanso semanal) é preciso lembrar que os médicos de saúde pública continuam a dar resposta a outras patologias, tais como os casos de doença invasiva pneumocócica, salmoneloses, hepatites, tuberculose, doença dos legionários, etc.”, explica o presidente da SRCOM.

“É incompreensível como o Ministério da Saúde tenha abandonado, desta forma, estes colegas médicos que continuam a fazer um trabalho inexcedível. Muitos dos novos casos, estão a ser contactados com dias de atraso e muitos outros nunca chegarão a receber um contacto da autoridade de saúde. É gravíssimo”, afirma Carlos Cortes, uma vez que as equipas de saúde pública estão a ficar depauperadas e sem apoio adicional que chegou a existir por parte de médicos e outros profissionais.

“É preciso uma abordagem diferente desta pandemia. É desnecessário andarmos atrás dos casos e é mais importante dedicar os esforços aos doentes e à doença. O trabalho que está a ser exigido, além de frequentemente desumano, não acrescenta neste momento uma importante mais-valia para combater esta pandemia”.

“É um trabalho que se agiganta a cada dia”, aponta Carlos Cortes. No caso da COVID-19, os médicos de saúde pública ao terem conhecimento de todos os novos casos, inserem os casos novos em bases de dados elaboradas por eles, realizam inquéritos epidemiológicos para identificarem o modo de contágio dos doentes, identificarem todos os seus contactos de risco havido nas 48 horas anteriores ao diagnóstico do caso, acompanham a evolução do estado de saúde de todos os contactos dos casos de alto risco, emitem credenciais para dois testes, registam toda a informação (no SClínicoTrace COVID-19 ou no SINAVE), articulam a situação epidemiológica ao nível concelhio com a proteção civil, autarquias, diretores dos estabelecimentos escolares e seus diretores de turma, entre muitas outras tarefas essenciais.

É tecnicamente incompreensível como os responsáveis da Saúde só se preocupam com o número de doentes internados, fazendo diariamente referência ao número de pessoas que são infectados mas esquecendo-se dos profissionais que a nível da comunidade (médicos de saúde pública, médicos de família e enfermeiros dos cuidados de saúde primários, entre outros profissionais) olham para estes pessoas para que possam evoluir com a infeção sem sobrecarregar as urgências e as enfermarias hospitalares.

“É muito complexa a situação no Agrupamento de Centro de Saúde do Baixo Mondego. Desde há um ano, já se reformaram médicos especialistas de saúde pública, outros rescindiram contrato, e nos últimos meses diminuíram as ajudas por parte dos médicos de formação geral e por parte dos estudantes de enfermagem e medicina que em janeiro e fevereiro de 2021 estiveram a colaborar com as equipas de saúde pública – esta situação é extensível em maior ou menor grau aos outros Agrupamentos de Centros de Saúde da Zona Centro.”, conclui.

Coimbra, 7 de janeiro 2022

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