Juramento de Hipócrates: “Missão grandiosa e eticamente vitalícia”

Juramento de Hipócrates: “Missão grandiosa e eticamente vitalícia”

A Covilhã acolheu o primeiro momento solene de Juramento de Hipócrates promovida pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, no dia 2 de dezembro, cuja cerimónia decorreu no Grande Auditório da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior. 

Daniel Fonseca estava feliz. Tinha a família por perto, orgulhosa e expectante. É um dos jovens que recebeu a sua cédula profissional com um livro que contém as mensagens do Bastonário da Ordem dos Médicos e dos três presidentes dos conselhos regionais. Que significa, então, para si, este momento? Responde de sorriso rasgado: “É o primeiro passo na profissão e, tal como o nome desta cerimónia, significa que devemos honrar os nossos antecedentes desde a Grécia. Este é o primeiro passo na nossa carreira médica, espero que sejamos médicos humanistas para que o mundo seja melhor”. 

Imbuídos, pois, nesta esperança coletiva, afigura-se-nos que nunca como hoje o juramento será tão importante. O Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos enfatizou, aliás, que este momento “marca o início da [vossa] trajetória como guardiões da saúde e da vida humana”.  Porém, este é um momento especialmente complexo para iniciar a carreira. Escutamos, de novo, as palavras de Manuel Teixeira Veríssimo: “Estamos diante de uma nova era na medicina, repleta de desafios e oportunidades sem precedentes. O médico do século XXI deverá ser um profissional multifacetado, capaz de conciliar a tradição milenar da Medicina com os avanços tecnológicos que revolucionam a nossa prática diária”. E dirigindo-se diretamente aos novos médicos, reiterou o primado dos valores da Medicina: “…e vós, que hoje iniciais este caminho, devereis ser os pioneiros de uma Medicina cada vez mais precisa e mais eficiente, mas, também, mais humanizada”. A seu ver, “o Juramento de Hipócrates, embora seja uma prática antiga, ainda continua a representar hoje um marco ético importante para a profissão médica, funcionando como um constante recordatório dos valores fundamentais que deve orientar a prática médica e a relação médico-doente”.

Foi também orador o presidente do Conselho Sub-regional de Castelo Branco e diretor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, Miguel Castelo-Branco. “Esta é a chegada ao exercício da medicina”, salienta. Para Miguel Castelo-Branco esta é, também, a simbologia da cédula profissional que os jovens colegas recebem nesta data. “Escolheram serem médicos. Tiveram um árduo e longo percurso até chegar aqui, tiveram de ser excelentes estudantes e devem ser excelentes pessoas”. O também presidente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior alertou os neófitos médicos para o compromisso do sigilo, para a importância de vestir a farda com competência colocando a Ciência ao serviço das pessoas, e deixou claro de que a Ordem dos Médicos tudo fará para garantir a qualidade da Medicina. Miguel Castelo-Branco não deixou, porém, de aludir à realidade atual, as assimetrias económico-sociais e a falta de recursos humanos. No desempenho da profissão aludiu ainda a vários caminhos possíveis, tais como a consultoria, a investigação, repercutindo sempre o melhor em prol do cidadão.

Nesta cerimónia conduzida pela médica Rafaela Ferreira, médica e antiga aluna da Faculdade de Ciências da Saúde, a Oração de Sapiência foi proferida pelo Professor Doutor João Manuel Pedroso de Lima, Professor Catedrático Aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (onde foi Professor Associado Convidado de 1998 a 2021) e que, entre uma vasta carreira, dirigiu o Serviço de Medicina Nuclear dos HUC (1992-2005 e 2007-2009), área em que se doutorou em 1998. Para o ex- Presidente da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, de 2010 a 2021, e Responsável do “Projeto H2 – Humanizar o Hospital” (2018 – 2021), há valores inalienáveis.

E iniciou a sua emotiva lição com vários exemplos: o sr. Manuel, acamado num serviço de hospital, que pedira um copo de água e ninguém lho deu e perguntando o que estava ali a fazer há tanto tempo, ninguém lhe respondeu. Sente-se, pois, abandonado, tal como a senhora Maria, septuagenária que, vítima de um acidente de viação, foi operada a múltiplas fraturas e está há 8 dias ma enfermaria. Na hora do almoço, passa uma senhora com uma bandeja de comida que deixa ficar ao fundo da cama. A senhora Maria não chega à bandeja porque não tem mobilidade para tal e ninguém a vem ajudar. Passam até umas pessoas de bata branca, tagarelando, a senhora Maria sente-se abandonada. É como se fosse invível”. E pegando nestes casos, alerta o atual Coordenador do Movimento Cívico Humanizar a Saúde em Coimbra (iniciado em 2023) e Membro da Comissão Nacional para a Humanização dos Cuidados de Saúde do SNS (2024): “Infelizmente, todos os dias, temos situações de doentes a sentirem-se invisíveis nos nossos hospitais”.

Nesta Oração de Sapiência, que teve como título “A outra metade da Medicina”, João Pedroso Lima chamou, pois, a atenção para a necessidade imperiosa da humanização dos cuidados e que a estrutura organizacional seja focada nas pessoas, realidade “aspeto muitas vezes esquecido na prática clínica diária”, muito em parte pelo “desenvolvimento tecnológico”. Tecnologia que “sendo muito útil no tratamento das patologias”, “não pode relegar para segundo plano as relações humanas fundamentais para uma boa relação médico-doente”, disse o ex-Diretor Clínico dos Hospitais da Universidade de Coimbra (entre 2005 e 2007).

Também os valores fundamentais do humanismo não foram esquecidos no discurso proferido pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes. Esta “cerimónia liga-vos aos milhões de médicos que, desde o início da Humanidade, lutaram persistentemente contra a doença e contra os males do corpo e da mente. A vossa dedicação e entrega construirão pontes para que os médicos de amanhã consigam feitos que a arte ainda não nos disponibiliza hoje, mas que os avanços da medicina, da tecnologia e da Humanidade, suportados por vós, poderão alcançar no futuro. A partir de agora, têm a responsabilidade, nas vossas mãos, de legar aos médicos de amanhã aquilo que receberão dos médicos de hoje. Fazem parte desta corrente inquebrável de transmissão da virtude humanista e do saber médico de geração para geração”.

Enaltecendo os valores humanistas subjacentes à profissão médica, Carlos Cortes enquadrou a evolução da medicina, desde os tempos de Hipócrates até à atualidade: “O que não mudou – e nunca mudará – é o coração desta profissão, é o seu órgão vital: o encontro entre um ser humano que sofre e outro ser humano capacitado para o tratar, para se dedicar a ajudá-lo. A relação médico doente permanecerá imutável como pedra basilar da Medicina”, profissão que “exige tanto rigor científico quanto sensibilidade humana”, acentuou o bastonário.

E, perante “dias difíceis, lembrem-se: nunca estão sozinhos. Cada médico nesta sala, (…) eu próprio, já enfrentámos dúvidas, medos, noites sem sono, angústias, desesperos até. Somos uma comunidade médica unida pelo propósito de curar, de cuidar, de amparar. Nunca desistam do nosso ideal comum, nunca deixem de ser os portadores da esperança neste papel honroso que vos é hoje transmitido”, afirmou.

Depois de ouvirem, atentamente, as palavras a eles dirigidas os jovens médicos receberam, num ambiente de grande emoção e alegria, as cédulas profissionais com um livro especialmente concebido pela Ordem dos Médicos para esta data. Momentos de forte carga simbólica para estes jovens médicos e testemunhados pelas suas famílias e amigos. O dia de festa e de convívio contemplou ainda a tradicional fotografia de grupo, imagem que integrou os seus mestres, familiares e destacados representantes das instituições da região.

A cerimónia contou com a Big Band Academia de Música e Dança do Fundão.

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