Regionalização ou descentralização da Saúde?: Igualdade de acesso não pode ficar em causa

Regionalização ou descentralização da Saúde?: Igualdade de acesso não pode ficar em causa

"Regionalização ou descentralização da Saúde?", a terceira sessão do ciclo de conferências promovida pela Ordem dos Médicos (OM), decorreu em Coimbra, dia 18 de junho, às 18h00 na Sala Miguel Torga da Ordem dos Médicos (Avenida Dom Afonso Henriques, 39), juntando quatro médicos autarcas de vários quadrantes políticos. Nesta sessão, moderada por Carine Silva, médica interna de Medicina Geral e Familiar, coube ao presidente do Conselho Regional do Centro da OM fazer a abertura da conferência.

Carlos Cortes, depois de dar as boas-vindas a todos os intervenientes e participantes no debate e de fazer uma retrospetiva sucinta do processo do referendo da regionalização que decorreu em 1998, acentuou: "a discussão continua em várias vertentes e, todos os dias, abordamos a descentralização do País". Declarou: "tem-se falado muito da coesão nacional e das diferenças entre o interior e o litoral, em 2015 também houve uma tentativa de municipalização da Saúde, descentralizando para o Poder local". E lançou o repto para a discussão: "a descentralização vai potenciar ou não a igualdade de acesso e a igualdade de oportunidade?".

Carine Silva, antes de lançar o tema para as intervenções iniciais e o subsequente debate, fez também uma contextualização: "A Constituição da República Portuguesa prevê a criação de regiões administrativas apenas e só no caso de em consulta direta aos portugueses se aprovar essa mudança. Com um referendo com 20 anos, em que os portugueses disseram não à regionalização, os sucessivos governos têm revisitado o tema sem nunca mais o ter referendado.
À Ordem dos Médicos não compete discutir a regionalização como conceito político/administrativo mas antes analisar o que pode ser mais benéfico para a saúde dos portugueses: um processo de regionalização, como definida na Constituição, um processo de municipalização da saúde em que, como prevê o decreto do Governo, algumas áreas passam a ser geridas pelas câmaras municipais ou uma descentralização de poderes e instituições em que a transferência de competências traga alguma autonomia às instituições de saúde, baseando-se numa política de proximidade?". "(…) Mais uma vez a questão será "qual a solução mais benéfica para a saúde dos portugueses?".
Com ou sem regionalização, todos temos um papel na melhoria efetiva na saúde, incluindo os municípios que podem/devem ter políticas de promoção da saúde transversais (criação de espaços verdes; infraestruturas destinadas à prática de exercício físico; parcerias com os cuidados comunitários e/ou escolas; combate à pobreza, exclusão social e isolamento, etc.) As conclusões do debate só chegarão no fim, mas o ponto de partida, para todos, é com certeza a rejeição de um país em que a saúde seja diferente consoante a geografia e o desejo de que em todo o território haja uma saúde de qualidade e acessível a todos."

Para Manuel Pizarro, médico especialista em Medicina Interna, ex-secretário de Estado da Saúde e vereador da Câmara Municipal do Porto (PS) deixou duras críticas àquilo a que apelidou de "alucinação burocrática" que, a seu ver, está a contribuir para a destruição do Serviço Nacional de Saúde. Para o antigo governante Portugal está hoje mais desigual do que há 20 anos.". Em seu entender, são necessárias políticas globais para tratar problemas específicos, como a diabetes, a obesidade, etc. "Uma grande parte das determinantes da Saúde estão de facto fora do sistema de Saúde", considerou, pelo que "as autarquias deveriam ser mesmo o eixo central das políticas de promoção da Saúde" mas que "o equilíbrio do sistema de saúde tem de funcionar com o necessário equilíbrio nacional, com orientação nacional e que não é suscetível de ser negociado". Por outro lado, Manuel Pizarro, na sua primeira intervenção, deu conta que a regionalização terá vantagens Portugal "tantos anos depois da adesão à UE é um país bastante desigual".

Por seu turno, José Manuel Silva, ex-Bastonário da Ordem dos Médicos e vereador da Câmara Municipal de Coimbra (movimento Somos Coimbra) defendeu a descentralização de competências em detrimento de qualquer processo de regionalização que, a sair do papel, redundaria em "esquartejamento do Serviço Nacional de Saúde assim como de um processo de microprivatização, concelho a concelho". O importante, a seu ver, é caminhar no sentido da descentralização. Para o especialista de Medicina Interna, que assumiu ter votado contra a regionalização há 20 anos, "se temos tantas desigualdades regionais, significa que nem sequer no patamar intermédio estamos para a descentralização e adquirir essa cultura". Seria, na sua opinião, um risco avançar para a regionalização". Para José Manuel Silva, estamos a assistir no SNS ao encerramento de extensões de saúde, exatamente o contrário do que deveria acontecer.

No entender de Graciela Simões, Médica especialista em Medicina do Trabalho e Saúde Pública e membro da Assembleia Municipal de Lisboa (CDU), levantou desde logo algumas questões sobre descentralização: "a que está a ser programada não trará grandes benefícios para a Saúde nem para os utentes porque está a ser transportada a responsabilidade para os municípios apenas a carga financeira sem que lhes seja atribuída a capacidade de planear e de gerir". "Está ainda pouco claro que funções do Estado se pretende transferir quer a nível metropolitano, intermunicipal". "O estrangulamento, o desgaste pela centralização do poder tem levado à situação que hoje vivemos nos cuidados de Saúde primários. Gerir apenas assistentes operacionais não me parece que traga algum benefício para o desenvolvimento dos cuidados de Saúde primários". Para a autarca, a área dos cuidados continuados é aquela que está, neste momento, mais necessitada de respostas. Para Graciela Simões há que acautelar a existência de "elementos inibidores de uma universalidade de acesso dos utentes bem como a desresponsabilização do Estado e a degradação dos serviços".
Nesta conferência, Francisco Amaral (presidente Câmara Municipal de Castro Marim) que se desloca uma vez por semana a Faro para desempenhar a sua prática clínica, lembrou: "Há 20 anos que ouço falar de regionalização e descentralização e até à data nada, isto é, os governos são todos centralizadores. Tenho feito descentralização efetiva. Eu era antirregionalista e agora sou regionalista, porque cheguei à conclusão que os governos não descentralizam nada. Como autarcas somos confrontados, diariamente, com problemas e situações que temos de resolver num curto espaço de tempo". Citou: "Criei uma unidade móvel de Saúde com um médico, a expensas do município, porque o SNS está cheio de incapacidades". Para este autarca social-democrata, é inadmissível que não haja um verdadeiro combate à obesidade e ao tabagismo, aludindo que em Castro Marim há um programa específico para estes dois problemas de saúde. E deixou uma pergunta para a assistência: "O que é melhor para a Saúde dos cidadãos de hoje?".

Por fim, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) defendeu, em jeito de conclusão, que a gestão centralizada dos ministérios da Saúde e das Finanças no sector da Saúde não salvaguarda a capacidade de resposta local às necessidades das populações.
Neste debate que contou com a participação de responsáveis da OM de Coimbra, Vila Real, Viseu, Bragança, Madeira, do Oeste ( e que esteve a ser transmitido em videoconferência para as instalações da Sub Região de Faro, Beja, Ponta Delgado (Açores), Miguel Guimarães salientou que, em Portugal, não é possível existir uma boa gestão "ao nível dos Agrupamentos de Saúde (ACES) ou dos hospitais se as respetivas administrações não tiverem autonomia e capacidade de decisão dentro daquilo que é o orçamento que lhes está atribuído".

O debate contou com os contributos, entre outros, do vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, Artur Santos; do presidente do ACeS Baixo Mondego, Carlos Ordens; do presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Pedro Lopes; o membro do Colégio de Cirurgia Geral da Ordem dos Médicos, António Ribeiro; o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira.

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